Conto: Inesperadamente


Sempre ando uma duas quadras depois do trabalho até o ponto de ônibus. Isso leva em torno de 10 minutos. Todas as noites tem sido a mesma coisa, te vejo chegando no ponto e me observando de canto de olho com um celular na mão. O ponto de ônibus está de vazio. Somos só você e eu, isso de uma certa forma me deixa nervosa. Sento no banco, você se aproxima e esboça um sorriso que não consigo decifrar se é para mim. Sento no banco e você faz o mesmo. Alguns minutos de silêncio se passam e olho disfarçada para seu lado. Você pega meu olhar no flagra e sorri enquanto eu olho pro outro lado envergonhada. Já se passaram dias com o rosto desse estranho esboçando um sorriso pra mim. Silêncio da noite predomina e até posso ouvir o barulho do vento nas folhas das árvores. 

- Você por acaso viu se o ônibus 250 já passou? - ele questiona.

Demoro para me dar conta de que ele estaria falando comigo, pois ele quebra o silêncio que tento me concentrar, olho para os lados para ter certeza de que não há mais ninguém ali e respondo baixinho:

- Acredito que não. 
- Qual ônibus você vai pegar? - ele me questiona novamente analisando minhas feições.

Pigarreio um pouco e minha voz acaba saindo mais baixa do que o normal:

- O 250 também - respondo evitando olhar para ele.

Ele abaixa a cabeça e alguns segundos voltam a ficar em silêncio, até que ele se volte para mim novamente:

- Te vejo aqui todos os dias. Trabalha por perto?

Olho pra ele arqueando as sobrancelhas e me perguntando porque depois de dias ele estaria puxando papo comigo. Eu nem ao menos sabia se poderia responder sua pergunta, afinal ele ainda era um estranho.

- Relativamente perto. Ando duas quadras pra chegar aqui.
- Interessante - ele responde - Eu trabalho perto daqui. Sou assistente administrativo. 

Olho pra ele sem graça e ele me avalia sorrindo como se estivesse gostando da pouca conversa que estamos tendo.

- Você não me parecia ser quieta.
- Como assim? - Digo de sobressalto 
- Já te vi vários dias aqui, com um fone de ouvido, movimentando os lábios e balançando as pernas impacientemente. Achei que falasse mais, apenas isso - ele confessou 

Então ele era observador e minhas suspeitas que ele esteve me observando acabaram de se confirmar.

- Talvez eu só tenha limitações com estranhos.
- Justo - ele responde 
- E se nós não fossemos estranhos?
- Como assim? - eu pergunto ainda meio sem acreditar.
- Eu te vejo aqui todo dia.  Por alguma razão não me pergunte qual é, vi uma garota diferente movimentando os lábios ao cantar a música esses dias. Já que vamos para o mesmo lugar, porque não sermos amigos? - ele pergunta como se fosse a coisa mais natural.
- Não é muito comum fazer amigos e nem conversar com pessoas que se encontra no ponto de ônibus- respondo ainda envergonhada
- Também não é pecado.

Eu sorrio e ele sorri novamente olhando pra mim. Nesse momento, o ônibus para na nossa frente e ele me deixa embarcar primeiro. Assim que passo pela catraca sinto meu coração acelerar, ele estava mesmo falando comigo, e estava querendo ser meu amigo. Quando eu imaginaria que isso poderia acontecer?  Sento em um banco vazio do ônibus e ele senta ao meu lado, assim que o mesmo se move ele engata mais perguntas que viram uma conversa até o ponto de desembarque. Quando menos espero, estou rindo, compartilhando opiniões triviais e gostando daquele momento diferente. Antes de descer ele pede meu número de telefone e beija meu rosto. Fico vermelha mas logo isso passa, agora sinto como se o conhecesse há algum tempo. Ele sorri mais uma vez e desce. E eu penso em como as coisas podem acontecer assim, quando menos esperamos, inesperadamente. E em como isso é uma das melhores coisas.

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